segunda-feira, 28 de julho de 2014

"Devo educar meus filhos para serem éticos?"


Desta vez faço minhas as palavras de Gustavo Ioschpe.  O texto abaixo veio ao encontro de tudo em que acredito.  Cada vez menos me conformo em viver em uma sociedade que mente descaradamente e utiliza a “Lei de Gerson” em seu dia-a-dia, sem se importar verdadeiramente com o próximo, a não ser que seja para levar sua própria vantagem.  Giselle Fernandes.

Com a palavra, Gustavo Ioschpe:

Educação
Gustavo Ioschpe

HANNAH ARENDT -  “Os maiores males não se devem àquele que tem de confrontar-se consigo mesmo. Os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram porque nunca pensaram na questão”      (Getty Images)
Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, saía de casa para a escola numa manhã fria do inverno gaúcho. Chegando à portaria, meu pai interfonou, perguntando se eu estava levando um agasalho. Disse que sim. Ele me perguntou qual. “O moletom amarelo, da Zugos”, respondi. Era mentira. Não estava levando agasalho nenhum, mas estava com pressa, não queria me atrasar.
Voltei do colégio e fui ao armário procurar o tal moletom. Não estava lá, nem em nenhum lugar da casa. Gelei. À noite, meu pai chegou em casa de cara amarrada. Ao me ver, tirou da pasta de trabalho o moletom. E me disse: “Eu não me importo que tu não te agasalhes. Mas, nesta casa, nesta família, ninguém mente. Ponto. Tá claro?”. Sim, claríssimo. Esse foi apenas um episódio mais memorável de algo que foi o leitmotiv da minha formação familiar. Meu pai era um obcecado por retidão, palavra, ética, pontualidade, honestidade, código de conduta, escala de valores, menschkeit (firmeza de caráter, decência fundamental, em iídiche) e outros termos que eram repetitiva e exaustivamente martelados na minha cabeça. Deu certo. Quer dizer, não sei. No Brasil atual, eu me sinto deslocado.
Até hoje chego pontualmente aos meus compromissos, e na maioria das vezes fico esperando por interlocutores que se atrasam e nem se desculpam (quinze minutos parece constituir uma “margem de erro” tolerável). Até hoje acredito quando um prestador de serviço promete entregar o trabalho em uma data, apenas para ficar exasperado pelo seu atraso, “veja bem”, “imprevistos acontecem” etc. Fico revoltado sempre que pego um táxi em cidade que não conheço e o motorista tenta me roubar. Detesto os colegas de trabalho que fazem corpo mole, que arranjam um jeitinho de fazer menos que o devido. Tenho cada vez menos visitado escolas públicas, porque não suporto mais ver professores e diretores tratando alunos como estorvos que devem ser controlados. Isso sem falar nas quase úlceras que me surgem ao ler o noticiário e saber que entre os governantes viceja um grupo de imorais que roubam com criatividade e desfaçatez.
Sócrates, via Platão (A República, Livro IX), defende que o homem que pratica o mal é o mais infeliz e escravizado de todos, pois está em conflito interno, em desarmonia consigo mesmo, perenemente acossado e paralisado por medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma existência desprezível, para sempre amarrado a alguém (sua própria consciência!) onisciente que o condena. Com o devido respeito ao filósofo de Atenas, nesse caso acredito que ele foi excessivamente otimista. Hannah Arendt me parece ter chegado mais perto da compreensão da perversidade humana ao notar, nos ensaios reunidos no livro Responsabilidade e Julgamento, que esse desconforto interior do “pecador” pressupõe um diálogo interno, de cada pessoa com a sua consciência, que na verdade não ocorre com a frequência desejada por Sócrates. Escreve ela: “Tenho certeza de que os maiores males que conhecemos não se devem àquele que tem de confrontar-se consigo mesmo de novo, e cuja maldição é não poder esquecer. Os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram porque nunca pensaram na questão”. E, para aqueles que cometem o mal em uma escala menor e o confrontam, Arendt relembra Kant, que sabia que “o desprezo por si próprio, ou melhor, o medo de ter de desprezar a si próprio, muitas vezes não funcionava, e a sua explicação era que o homem pode mentir para si mesmo”. Todo corrupto ou sonegador tem uma explicação, uma lógica para os seus atos, algo que justifique o porquê de uma determinada lei dever se aplicar a todos, sempre, mas não a ele(a), ou pelo menos não naquele momento em que está cometendo o seu delito.
Cai por terra, assim, um dos poucos consolos das pessoas honestas: “Ah, mas pelo menos eu durmo tranquilo”. Os escroques também! Se eles tivessem dramas de consciência, se travassem um diálogo verdadeiro consigo e seu travesseiro, ou não teriam optado por sua “carreira” ou já teriam se suicidado. Esse diálogo consigo mesmo é fruto do que Freud chamou de superego: seguimos um comportamento moral porque ele nos foi inculcado por nossos pais, e renegá-lo seria correr o risco da perda do amor paterno.
Na minha visão, só existem, assim, dois cenários em que é objetivamente melhor ser ético do que não. O primeiro é se você é uma pessoa religiosa e acredita que os pecados deste mundo serão punidos no próximo. Não é o meu caso. O segundo é se você vive em uma sociedade ética em que os desvios de comportamento são punidos pela coletividade, quer na forma de sanções penais, quer na forma do ostracismo social. O que não é o caso do Brasil. Não se sabe se De Gaulle disse ou não a frase, mas ela é verdadeira: o Brasil não é um país sério.
Assim é que, criando filhos brasileiros morando no Brasil, estou às voltas com um deprimente dilema. Acredito que o papel de um pai é preparar o seu filho para a vida. Essa é a nossa responsabilidade: dar a nossos filhos os instrumentos para que naveguem, com segurança e destreza, pelas dificuldades do mundo real. E acredito que a ética e a honestidade são valores axiomáticos, inquestionáveis. Eis aí o dilema: será que o melhor que poderia fazer para preparar meus filhos para viver no Brasil seria não aprisioná-los na cela da consciência, do diálogo consigo mesmos, da preocupação com a integridade? Tenho certeza de que nunca chegaria a ponto de incentivá-los a serem escroques, mas poderia, como pai, simplesmente ser mais omisso quanto a essas questões. Tolerar algumas mentiras, não me importar com atrasos, não insistir para que não colem na escola, não instruir para que devolvam o troco recebido a mais...
Tenho pensado bastante sobre isso ultimamente. Simplesmente o fato de pensar a respeito, e de viver em um país em que existe um dilema entre o ensino da ética e o bom exercício da paternidade, já é causa para tristeza. Em última análise, decidi dar a meus filhos a mesma educação que recebi de meu pai. Não porque ache que eles serão mais felizes assim - pelo contrário -, nem porque acredite que, no fim, o bem compensa. Mas sim porque, em primeiro lugar, não conseguiria conviver comigo mesmo, e com a memória de meu pai, se criasse meus filhos para serem pessoas do tipo que ele me ensinou a desprezar. E, segundo, tentando um esboço de resposta mais lógica, porque sociedades e culturas mudam. Muitos dos países hoje desenvolvidos e honestos eram antros de corrupção e sordidez 100 anos atrás. Um dia o Brasil há de seguir o mesmo caminho, e aí a retidão que espero inculcar em meus filhos (e meus filhos em seus filhos) há de ser uma vantagem, e não um fardo. Oxalá. 

Veja Educação. 14/09/2013.

Ioschpe participa de algumas das mais importantes organizações não-governamentais brasileiras ligadas à área da educação. É membro fundador do Compromisso Todos pela Educação e membro dos Conselhos do Instituto Ayrton Senna3 , Instituto Ecofuturo (Grupo Suzano), Fundação Iochpe e Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura. Como palestrante, atua no Brasil e no exterior, já tendo proferido palestras em outros países da América Latina e na sede da Unesco, em Paris. 

domingo, 27 de julho de 2014

Experiência da emoção


Primeiro dia de aula: eu, a professora, suando bicas na sala apertada da escola. Não podia me esquecer que tinha me preparado muito para aquele dia. Giz na mão, apagador de prontidão, tento desenhar alguns “rabiscos” na lousa para exemplificar a lição que deveria ser estudada naquele bimestre. Sentia uma excitação naquele momento ,mas, será que os alunos iriam gostar da aula?? Será que iriam se identificar , e pensando mais além, ficariam felizes por estar ali??
Tento não me deixar levar pelas emoções e começo a desenhar... Lembrando das cores que o homem primitivo usava para desenhar na parede das cavernas: vermelho, amarelo... Em vez do preto uso o branco. O desenho acontece tranquilamente, prontamente indicado na superfície lisa da lousa. Os alunos começam a se agitar e, então, descubro que eles não têm lápis. Ainda suando muito, corro na secretaria da escola e consigo uma caixa cheia de lápis, todos muito usados. Coloco em cima da mesa e me volto à lousa para continuar “ meus desenhos rupestres”. De repente, outro burburinho - um garoto me conta que os lápis estão sem pontas. Peço, agora um pouco nervosa, que peguem a caixa e apontem seus lápis - escuto então a caixa cair ao chão e os lápis se esparramando pela sala; não ligo, acredito que os alunos estão tentando me provocar, pois, perceberam que eu estava nervosa. Apago novamente os desenhos, peço que os alunos copiem e começo tudo do “zero” - os alunos reclamam. Por alguns instantes, deixo-me levar por aqueles símbolos oníricos e tento entender porque os antigos os desenhavam... Provavelmente queriam dizer algo: - Será que queriam expressar suas emoções?? Não, não foi isso que aprendemos na universidade. Ufa! Não consigo mais enxergar a sala, estou vidrada nos desenhos, porém, fico feliz quando olho e vejo uma garota desenhando em seu caderno. Enquanto isso, continuo a colorir os contornos na lousa, afinal, assim eram as pinturas rupestres. Depois de alguns minutos, percebo que a classe não olha mais para mim... desvio meu olhar como que numa tentativa de retomada orgulhosa e resolvo virar para trás. Fico perplexa! Todas as paredes da sala estão desenhadas e rabiscadas, símbolos estranhos, tais como garatujas, marcas e mapas.Rabiscos de todos os tamanhos. Olho para o chão e vejo vários lápis espalhados, um “canetão” e um batom _ os contornos muito fixos, marcados contra a textura da parede. Ainda perplexa com o ocorrido, escuto a voz do garoto dizendo: - Professora, agora entendi o que significa a Arte Rupestre!!!! Emoção da experiência ...

Texto de uma amiga/Educadora dedicada, comprometida e apaixonada pela arte de ensinar/aprender.

domingo, 20 de abril de 2014

Você é um professor eficaz ou eficiente?


            Está aí uma resposta difícil e por isso convido o leitor a pensar comigo e tirar suas próprias conclusões.  Vamos começar nossa reflexão com a definição de ambos os termos:  Eficaz / Eficiente.
            Segundo Paulo Krieser, mestrando em Administração de Empresas pela USP e Graduado em Ciência da Computação pela UFRGS:  “Para fins de analogia e exemplificação, podemos dizer que a eficiência é cavar, com perfeição técnica, um poço artesiano; eficácia é encontrar a água.”
            Transferindo a definição para o nosso tema, sobre o professor em si, inicio pensando no professor “certinho” e naquele que de fato funciona, ensina, desenvolve, marca a vida do aluno.  Entretanto, não se engane!  Um não exclui o outro, evidentemente!  Tem sido em torno de 30 anos de experiência em contato com a educação de crianças e jovens e, nessa caminhada, tenho encontrado ambos: os professores eficientes e os eficazes sendo que, infelizmente muitos ineficientes e ineficazes. 
            O professor eficiente é o que segue todas as regras da escola, o programa a ele conferido, faz a chamada, revisa conteúdos, elabora boas atividades, enfim, cumpre de forma eficiente todas as suas atribuições. 
            O professor eficaz é o que consegue resultados efetivos!  É o que se importa com a aprendizagem e bem estar de seus alunos.  Seguem alguns exemplos para facilitar o entendimento:
            Professor eficiente:  recebe um programa, lê, planeja a aula.  Segue rigorosamente os passos de sua aula.  Planeja e aplica avaliações, cumpre com prazos.  Usa o mesmo planejamento e técnicas para todas as turmas.  Canta músicas, lê histórias, realiza experimentos ou o que for relativo à idade e programa de sua turma.  Mantém sua sala em ordem, atende às expectativas da Direção Pedagógica.  Deixa a escola e recomeça o ciclo.  O professor eficiente transmite conhecimento e seus alunos aprendem (ou não). 
            Professor eficaz:  recebe o mesmo programa, estuda, analisa, imagina sua sala de aula, preocupa-se em como fazer, que estratégias usar para envolver seus alunos com aquele conteúdo.  Preocupa-se com os alunos que prontamente atendem às expectativas e, principalmente, com os que certamente terão dificuldades.  Ele tem o “passo a passo” de sua rotina escolar, mas ao planejar adéqua esses passos ao tempo de concentração da classe, à realidade diferente de cada turma.  Auto avalia-se a todo instante, bem como a seus alunos.  Checa se as estratégias estão de acordo, se o programa em si aplica-se para cada realidade, se os alunos respondem ao novo aprendizado.  Mantém registros de sua própria observação.  Olha para os alunos como seres individuais, percebe reações de cada um de do grupo.  Sua sala de aula é mantida de forma apropriada para a aprendizagem, tanto em relação ao apelo visual quanto aos materiais a serem manipulados e utilizados para enriquecimento da turma.  Diverte-se ao ler histórias, cantar músicas, sempre dá um brilho a mais para os olhos curiosos de seus alunos em experimentos, envolve a todos com o prazer pela conquista do aprendizado.  Também cumpre prazos, vai além das expectativas da Direção Pedagógica.  Deixa a escola revivendo cada minuto, avalia-se novamente, programa-se para o próximo dia, estuda a matéria, prepara-se, preocupa-se e elabora estratégias para certificar-se de estar atingindo a todos os seus alunos.  Acima de tudo, o professor eficaz provoca a curiosidade dos alunos!  O professor eficaz acompanha resultados aula a aula.  Participa da construção, observa o desenvolvimento, o funcionamento da construção do conhecimento!
            Resumindo, “eficiência não comprova eficácia” (Jim Leary).  Ou seja, o professor eficiente dá a aula, não necessariamente atinge os objetivos a ele conferidos.  O professor eficaz é o que atinge objetivos ou, ao menos, faz tudo o que estiver ao seu alcance para atingi-los.  Muda estratégias, pesquisa, vai além de seu próprio conhecimento, não se conforma com a horrível frase popular “eu finjo que ensino e eles fingem que aprendem”.  Em suma, “Eficácia é comprovada pelo alcance do aluno em sua aprendizagem e não pela eficiência do professor” (Jim Leary).
            Qual é a diferença entre eles?  Um é eficiente e o outro é eficaz.  Um é professor e o outro é educador, respectivamente.  Conforme Rubem Alves,  a diferença entre professor e educador é definida entre um e outro em seu livro “Conversa com quem gosta de ensinar”. Neste livro Rubem Alves enfatiza: “professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança.” Professor, segundo o autor, são como eucaliptos plantados por um motivo, enfileirado, descartável e com uma finalidade meramente comercial, econômica, trata-se de um funcionário de uma instituição submetido ao ritmo do sistema e ao tempo das máquinas. Educador por outro lado são como jequitibás, belos e raros; definidos pela suas paixões, sonhos e esperanças. O mundo mudou: jequitibás foram ao chão e em seu lugar foram plantados eucaliptos. Educadores deixaram de existir, em seu lugar professores. 
            Não quero concordar com Rubem Alvez quando diz que Educadores deixaram de existir.  Quero e preciso, como Educadora, acreditar que os Educadores estão todos aí, esperando pelo grande momento em que irão despertar seus alunos para a imensa responsabilidade e alegria de compartilhar, provocar, assistir a construção da sociedade!  Nota importante:  muitas vezes esse momento da transformação de professor eficiente para eficaz depende de uma Coordenação ou Direção Pedagógica eficaz!