Mundo perfeito para
os filhos
Antigamente
dizia-se “criar o filho em bola de cristal” como uma referência à super proteção. Passados os anos, vejo que a bola de cristal
vem hoje com um mundo perfeito dentro dela.
Ou seja, não só temos crianças super protegidas como, pior do que isso,
criadas dentro de um mundo perfeito – e, obviamente, irreal!
Quero
aqui falar um pouco sobre isso e levar o leitor a refletir e se questionar sobre
o tipo de educação e preparo para o mundo adulto que vem sendo proporcionado à
criança. Nossa responsabilidade é muito
grande ao nos disponibilizarmos a ter um filho e a criá-lo para esse mundo adulto. Os filhos são aquilo que fizermos deles!
A super
proteção acontece em todas as áreas e às vezes é mascarada com o “cuidar bem”. Vem junto ainda com o mundo perfeito que
elaboramos em nossas mentes, já que a visão de mundo “perfeito” é diferente
para cada um e todos nós sabemos que perfeição não existe.
Na
escola, temos visto cada vez com mais freqüência pais que praticamente exigem
que os amiguinhos tenham exatamente o mesmo comportamento e educação que seus
filhos. Excluem, acusam, literalmente
brigam por isso. Se tiver uma criança
com necessidades especiais na classe então, é um “Deus nos acuda”, porque têm
medo que o filho comece a imitar o comportamento do outro, que conviva com o
diferente, como se isso fosse uma doença contagiosa.
Os pais
idealizam, de acordo com sua visão, um mundo perfeito onde não há disputas,
ciúmes, maneiras diferentes de comportamento, etc. Não sabem que com isso estão criando filhos
fracos, inseguros, indecisos e solitários – uma vez que ninguém será, jamais, “perfeito”
como eles. Entretanto, não estamos aqui
para julgarmos pais que, na verdade, erram sem saber e confundem o cuidar com o
superproteger.
Ninguém erra porque quer. Erra sim quem conhece e não toma
atitude! Vamos então começar do
começo: Yves de La Taille, educador e psicólogo francês naturalizado brasileiro, especializado em
desenvolvimento moral e professor do Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo (USP), diz que nenhum ser humano nasce autônomo
(independente). Segundo ele, todos
precisamos ser, primeiramente, heterônomos para então alcançarmos a autonomia.
Em outras palavras, a criança, ao nascer, não tem a
menor ideia de como o mundo funciona.
Ela não sabe que deve tomar banho, ou que existe um lugar na casa onde
se guarda os brinquedos, que falamos bom dia ao acordar, enfim, ela nasce sem
nenhuma regra, sem nenhum princípio ou regra moral ou social. Isso é tarefa dos adultos! São eles que estão incumbidos de contarem
para as crianças como o mundo funciona.
E isso exige determinação. Os
adultos em questão são primeiramente os pais e depois os professores – e não a
ordem inversa!
Ivan Capelato, Psicoterapeuta de
crianças, adolescentes e famílias; Mestre em Psicologia Clínica pela PUCCAMP,
diz que “limite é o desejo de quem cuida”, de quem se importa, de quem se sente
responsável pela educação da criança. Para
isso, a criança terá que passar, necessariamente, pela frustração – de desejos
e vontades. Ivan diz ainda que
frustração não é sofrimento. É
crescimento! Como ex., ele fala de uma
criança que está desenhando e a ponta do lápis quebra e ela fica brava, chora
muito – obviamente, frustrada. Vamos
pensar em duas situações: na primeira, o
adulto aponta o lápis e devolve à criança.
Na segunda, simplesmente a distrai e lhe dá outro brinquedo. Se o adulto mostrar a ela que apontando o
lápis ela pode voltar a desenhar, está, na verdade, mostrando como contornar
uma situação de frustração. No segundo
exemplo, esse adulto perdeu um momento valioso de educação. Não ensinou como lidar com situações difíceis
do dia-a-dia. Ilustrando a primeira
situação: diante de qualquer incômodo,
os pais simplesmente trocam de escola, de curso de natação, viram sua própria
vida de ponta cabeça para satisfazer “uma simples ponta de lápis quebrada”...
“Temos, hoje em dia, jovens
extremamente inteligentes mas sem nenhum auto-controle emocional” diz Ivan
Capelato. Verdadeiros gênios que, se a
namorada romper com ele, a primeira coisa que vem à cabeça é suicídio,
justamente por não terem nenhuma estrutura emocional bem construída.
Enquanto países desenvolvidos
lidam com a inclusão de maneira respeitosa e natural (inclusão, não só de
portadores de necessidades especiais, mas também inclusão de alunos em
situações sócio-econômicas diferentes), vemos pais e escolas, no Brasil, selecionando
cada vez mais, tentando construir grupos sociais homogêneos e irreais. Estamos ensinando desse modo, às nossas
crianças, a intolerância, a seleção, o egoísmo e a desumanidade. Com a super proteção dentro de um mundo
perfeito, criamos crianças e jovens fracos, sem determinação, sem atitude e sem
nenhum preparo emocional para o mundo real.
Vamos pois, mimar menos e educar
mais! Que nossas crianças comecem a ser
criadas do lado de fora da bola de cristal e do mundo perfeito, com uma visão
ampla do mundo real. Vamos lidar com as
nossas próprias frustrações e passar a encará-las como oportunidades de
crescimento – inclusive para nós mesmos!