segunda-feira, 10 de junho de 2013

Mundo perfeito para os filhos

                Antigamente dizia-se “criar o filho em bola de cristal” como uma referência à super proteção.  Passados os anos, vejo que a bola de cristal vem hoje com um mundo perfeito dentro dela.  Ou seja, não só temos crianças super protegidas como, pior do que isso, criadas dentro de um mundo perfeito – e, obviamente, irreal!
                
Quero aqui falar um pouco sobre isso e levar o leitor a refletir e se questionar sobre o tipo de educação e preparo para o mundo adulto que vem sendo proporcionado à criança.  Nossa responsabilidade é muito grande ao nos disponibilizarmos a ter um filho e a criá-lo para esse mundo adulto.  Os filhos são aquilo que fizermos deles!
                
A super proteção acontece em todas as áreas e às vezes é mascarada com o “cuidar bem”.  Vem junto ainda com o mundo perfeito que elaboramos em nossas mentes, já que a visão de mundo “perfeito” é diferente para cada um e todos nós sabemos que perfeição não existe.
               
Na escola, temos visto cada vez com mais freqüência pais que praticamente exigem que os amiguinhos tenham exatamente o mesmo comportamento e educação que seus filhos.  Excluem, acusam, literalmente brigam por isso.  Se tiver uma criança com necessidades especiais na classe então, é um “Deus nos acuda”, porque têm medo que o filho comece a imitar o comportamento do outro, que conviva com o diferente, como se isso fosse uma doença contagiosa. 
                
Os pais idealizam, de acordo com sua visão, um mundo perfeito onde não há disputas, ciúmes, maneiras diferentes de comportamento, etc.  Não sabem que com isso estão criando filhos fracos, inseguros, indecisos e solitários – uma vez que ninguém será, jamais, “perfeito” como eles.  Entretanto, não estamos aqui para julgarmos pais que, na verdade, erram sem saber e confundem o cuidar com o superproteger. 

Ninguém erra porque quer.  Erra sim quem conhece e não toma atitude!  Vamos então começar do começo:  Yves de La Taille, educador e psicólogo francês naturalizado brasileiro, especializado em desenvolvimento moral e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), diz que nenhum ser humano nasce autônomo (independente).  Segundo ele, todos precisamos ser, primeiramente, heterônomos para então alcançarmos a autonomia. 

Em outras palavras, a criança, ao nascer, não tem a menor ideia de como o mundo funciona.  Ela não sabe que deve tomar banho, ou que existe um lugar na casa onde se guarda os brinquedos, que falamos bom dia ao acordar, enfim, ela nasce sem nenhuma regra, sem nenhum princípio ou regra moral ou social.  Isso é tarefa dos adultos!  São eles que estão incumbidos de contarem para as crianças como o mundo funciona.  E isso exige determinação.  Os adultos em questão são primeiramente os pais e depois os professores – e não a ordem inversa!  

Ivan Capelato, Psicoterapeuta de crianças, adolescentes e famílias; Mestre em Psicologia Clínica pela PUCCAMP, diz que “limite é o desejo de quem cuida”, de quem se importa, de quem se sente responsável pela educação da criança.  Para isso, a criança terá que passar, necessariamente, pela frustração – de desejos e vontades.  Ivan diz ainda que frustração não é sofrimento.  É crescimento!  Como ex., ele fala de uma criança que está desenhando e a ponta do lápis quebra e ela fica brava, chora muito – obviamente, frustrada.  Vamos pensar em duas situações:  na primeira, o adulto aponta o lápis e devolve à criança.  Na segunda, simplesmente a distrai e lhe dá outro brinquedo.  Se o adulto mostrar a ela que apontando o lápis ela pode voltar a desenhar, está, na verdade, mostrando como contornar uma situação de frustração.  No segundo exemplo, esse adulto perdeu um momento valioso de educação.  Não ensinou como lidar com situações difíceis do dia-a-dia.  Ilustrando a primeira situação:  diante de qualquer incômodo, os pais simplesmente trocam de escola, de curso de natação, viram sua própria vida de ponta cabeça para satisfazer “uma simples ponta de lápis quebrada”...

“Temos, hoje em dia, jovens extremamente inteligentes mas sem nenhum auto-controle emocional” diz Ivan Capelato.  Verdadeiros gênios que, se a namorada romper com ele, a primeira coisa que vem à cabeça é suicídio, justamente por não terem nenhuma estrutura emocional bem construída.

Enquanto países desenvolvidos lidam com a inclusão de maneira respeitosa e natural (inclusão, não só de portadores de necessidades especiais, mas também inclusão de alunos em situações sócio-econômicas diferentes), vemos pais e escolas, no Brasil, selecionando cada vez mais, tentando construir grupos sociais homogêneos e irreais.  Estamos ensinando desse modo, às nossas crianças, a intolerância, a seleção, o egoísmo e a desumanidade.  Com a super proteção dentro de um mundo perfeito, criamos crianças e jovens fracos, sem determinação, sem atitude e sem nenhum preparo emocional para o mundo real.

Vamos pois, mimar menos e educar mais!  Que nossas crianças comecem a ser criadas do lado de fora da bola de cristal e do mundo perfeito, com uma visão ampla do mundo real.  Vamos lidar com as nossas próprias frustrações e passar a encará-las como oportunidades de crescimento – inclusive para nós mesmos!