Esta semana vivi uma situação muito
interessante, que ilustra a interferência de uma mãe canadense, apropriada e
eficiente na educação de sua filha de cinco para seis anos.
Ao encontrar a amiga que já conhecia a
tempos, a “Mary”, de tão feliz, começou a correr dela sem parar e sequer a cumprimentou. Ela ria e corria e a outra ia atrás
dela. Como era de se esperar, a outra,
aqui chamada de “Susy”, ficou frustrada e sem entender o que estava
acontecendo. Como reação, passou a fugir
da Mary e a se esconder. A Mary veio
contar para a mãe que a Susy não queria brincar com ela. A mãe, muito calma, disse: “Você feriu os sentimentos dela, Mary. Teve uma atitude rude e agora ela está se
escondendo porque está triste. Veja o que
pode fazer.”
Mary aproximou-se da amiga, fez
comentários sobre os brinquedos, mas a outra ainda se escondia e mostrava
tristeza ou desconfiança no olhar. Mary
insistiu com os brinquedos e a outra entendeu que agora poderiam brincar normalmente.
E assim se resolveu o dilema e elas
brincaram juntas, como de costume, por horas!
A mãe da Susy estava lá, conversando
com a mãe da Mary e não houve desculpas de mãe para mãe, ninguém tocou no
assunto. Houve apenas e tão somente a
interferência da mãe que, na verdade, nem foi interferência. Foi apenas a tradução do que havia acontecido
para que Mary compreendesse.
O que normalmente vejo é mãe se
desculpando com a outra mãe e agindo de duas maneiras diferentes: ou protegem a criança – no caso, a Mary, que
corria da amiga – e inclusive iria até a outra para que brincasse com sua filha
ou, por outro lado, chamaria a atenção de Mary na frente da outra mãe e amiga,
o que causaria um clima tenso, a menina ficaria envergonhada, etc.
Do modo como essa mãe agiu, ela
interpretou o ocorrido, mostrou a Mary que ela havia sido rude sem maiores explicações,
pois as crianças entendem muito bem o que fazem. Interpretou também a reação da outra e deixou
claro que ela, Mary, é que deveria resolver.
Deu-lhe a compreensão e as ferramentas para “consertar” a situação. O resultado não poderia ter sido outro: linguagem de criança é simples, direta e
objetiva. Tudo resolvido, sem drama, sem
culpas e com imenso aprendizado!
Além da história que fala por si, quero
enfatizar que precisamos perder o hábito do “sermão”, que na maioria das vezes
é absolutamente desnecessário e cansativo, além de mudar ou se perder no foco
daquilo que realmente é importante que seja tratado. A mãe em questão falou baixo, tranquila, mas de
forma direta e objetiva, sem medo de educar!
Assim devem agir os pais e educadores – sempre e em todas as
oportunidades.
Fundamentando o acima exposto, acrescento
parte do estudo de Jean Piaget, relacionado às fases do desenvolvimento
humano: “... Contudo, embora a criança consiga
raciocinar de forma coerente, tanto os esquemas conceituais como as ações
executadas mentalmente se referem, nesta fase, a objetos ou situações passíveis
de serem manipuladas ou imaginadas de forma concreta. Além disso, conforme
pontua La Taille (1992:17) se no período pré-operatório a criança ainda não
havia adquirido a capacidade de reversibilidade, i.e., "a capacidade de
pensar simultaneamente o estado inicial e o estado final de alguma
transformação efetuada sobre os objetos (por exemplo, a ausência de conservação
da quantidade quando se transvaza o conteúdo de um copo A para outro B, de
diâmetro menor)", tal reversibilidade será construída ao longo dos estágios
operatório concreto e formal... “ em trabalho
publicado por Márcia Regina Terra,
acessível em http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/d00005.htm
A
criança em questão está claramente passando do estágio pré-operatório para o
estágio das operações concretas. Para
tanto, recebe constantemente o retorno, o espelho de um adulto que a faz pensar
e construir suas próprias soluções morais.
Ela ainda não está autônoma e, por isso, necessita de ajuda (por ser
heterônoma) para que faça suas próprias escolhas. Note-se que a mãe não soluciona para ela;
apenas age com naturalidade e a conduz ao comportamento apropriado.
Existe
uma falsa concepção com relação às interferências adequadas, o que resulta em
medo de errar e de educar. Conforme Yves
de La Taille (em “Limites, três dimensões educacionais”), para que o ser humano
alcance a autonomia precisa antes ter passado pela heteronomia – ou seja,
pressupõe-se que os adultos contem às crianças quais são as regras do jogo, o
que se espera delas nesse mundo do qual fazem parte. Sem medo, sem drama e com confiança.