quarta-feira, 6 de junho de 2012

Sem medo de educar



         Esta semana vivi uma situação muito interessante, que ilustra a interferência de uma mãe canadense, apropriada e eficiente na educação de sua filha de cinco para seis anos.

         Ao encontrar a amiga que já conhecia a tempos, a “Mary”, de tão feliz, começou a correr dela sem parar e sequer a cumprimentou.  Ela ria e corria e a outra ia atrás dela.  Como era de se esperar, a outra, aqui chamada de “Susy”, ficou frustrada e sem entender o que estava acontecendo.  Como reação, passou a fugir da Mary e a se esconder.  A Mary veio contar para a mãe que a Susy não queria brincar com ela.  A mãe, muito calma, disse:  “Você feriu os sentimentos dela, Mary.  Teve uma atitude rude e agora ela está se escondendo porque está triste.  Veja o que pode fazer.”

         Mary aproximou-se da amiga, fez comentários sobre os brinquedos, mas a outra ainda se escondia e mostrava tristeza ou desconfiança no olhar.  Mary insistiu com os brinquedos e a outra entendeu que agora poderiam brincar normalmente.  E assim se resolveu o dilema e elas brincaram juntas, como de costume, por horas!

         A mãe da Susy estava lá, conversando com a mãe da Mary e não houve desculpas de mãe para mãe, ninguém tocou no assunto.  Houve apenas e tão somente a interferência da mãe que, na verdade, nem foi interferência.  Foi apenas a tradução do que havia acontecido para que Mary compreendesse. 

         O que normalmente vejo é mãe se desculpando com a outra mãe e agindo de duas maneiras diferentes:  ou protegem a criança – no caso, a Mary, que corria da amiga – e inclusive iria até a outra para que brincasse com sua filha ou, por outro lado, chamaria a atenção de Mary na frente da outra mãe e amiga, o que causaria um clima tenso, a menina ficaria envergonhada, etc.

         Do modo como essa mãe agiu, ela interpretou o ocorrido, mostrou a Mary que ela havia sido rude sem maiores explicações, pois as crianças entendem muito bem o que fazem.  Interpretou também a reação da outra e deixou claro que ela, Mary, é que deveria resolver.  Deu-lhe a compreensão e as ferramentas para “consertar” a situação.  O resultado não poderia ter sido outro:  linguagem de criança é simples, direta e objetiva.  Tudo resolvido, sem drama, sem culpas e com imenso aprendizado!

         Além da história que fala por si, quero enfatizar que precisamos perder o hábito do “sermão”, que na maioria das vezes é absolutamente desnecessário e cansativo, além de mudar ou se perder no foco daquilo que realmente é importante que seja tratado.  A mãe em questão falou baixo, tranquila, mas de forma direta e objetiva, sem medo de educar!  Assim devem agir os pais e educadores – sempre e em todas as oportunidades.     

         Fundamentando o acima exposto, acrescento parte do estudo de Jean Piaget, relacionado às fases do desenvolvimento humano:  “... Contudo, embora a criança consiga raciocinar de forma coerente, tanto os esquemas conceituais como as ações executadas mentalmente se referem, nesta fase, a objetos ou situações passíveis de serem manipuladas ou imaginadas de forma concreta. Além disso, conforme pontua La Taille (1992:17) se no período pré-operatório a criança ainda não havia adquirido a capacidade de reversibilidade, i.e., "a capacidade de pensar simultaneamente o estado inicial e o estado final de alguma transformação efetuada sobre os objetos (por exemplo, a ausência de conservação da quantidade quando se transvaza o conteúdo de um copo A para outro B, de diâmetro menor)", tal reversibilidade será construída ao longo dos estágios operatório concreto e formal... “  em trabalho publicado por Márcia Regina Terra, acessível em http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/d00005.htm

            A criança em questão está claramente passando do estágio pré-operatório para o estágio das operações concretas.  Para tanto, recebe constantemente o retorno, o espelho de um adulto que a faz pensar e construir suas próprias soluções morais.  Ela ainda não está autônoma e, por isso, necessita de ajuda (por ser heterônoma) para que faça suas próprias escolhas.  Note-se que a mãe não soluciona para ela; apenas age com naturalidade e a conduz ao comportamento apropriado.

         Existe uma falsa concepção com relação às interferências adequadas, o que resulta em medo de errar e de educar.  Conforme Yves de La Taille (em “Limites, três dimensões educacionais”), para que o ser humano alcance a autonomia precisa antes ter passado pela heteronomia – ou seja, pressupõe-se que os adultos contem às crianças quais são as regras do jogo, o que se espera delas nesse mundo do qual fazem parte.  Sem medo, sem drama e com confiança.