sexta-feira, 27 de julho de 2012

Comercialização da infância



Hoje, para ser mãe/pai é preciso literalmente reunir muitas posses – será mesmo?  Gostaria que o leitor pensasse comigo “porque isso está acontecendo”.  Não tenho respostas prontas, apenas observações que divido neste artigo, que recomendo também para professores e orientadores educacionais.

É certo que a criança precise dos mais variados estímulos para enriquecer e formar seu próprio universo.  Mas precisa também de experiência e criatividade!  Digo isso por reparar que me parece que os pais ficam enlouquecidos se não puderem proporcionar às crianças divertimento e entretenimento 24 horas por dia.  Não precisam!  A criança é que tem que buscar por si mesma, desde bebê.  Aos adultos cabe mostrar, exemplificar, participar e... se retirar no momento exato em que estaria começando a interferir.

Vivo em um país onde se consome muitos produtos (especialmente alimentos) industrializados, mas nem de longe se compara ao Brasil quanto ao entretenimento e diversão “comprada” das crianças.  Assim, sendo educadora, é praticamente impossível não reparar e comparar.

Criança tem que brincar na terra – não só na areia preparada – andar de bicicleta, correr atrás de borboletas, observar passarinhos, fazer comidinha com grama e galhinhos, numa panelinha de folhas de árvore, etc.  Brincar de esconde-esconde, pega-pega, bolinha de gude.  Inventar jogos e brincadeiras, regras “malucas” para seus próprios jogos.  Pular corda, correr!  Andar descalço, sentir o vento e até ser picado por formiga – tudo faz parte do mundo em que habita.  Sem medos, precauções, excesso de proteção.  


Outro dia uma menininha de 05 anos levantou um assunto que durou muito e todos (nós, adultos e ela) nos envolvemos:  “se fôssemos bem altos e conseguíssemos chegar até as nuvens, poderíamos andar nelas?” – ela só foi capaz de fazer essa pergunta por ter estado quietinha, observando, imaginando, em contato com a natureza.  Dentro de casa não se observa nuvens!  


Criança tem que se sentir um pouco sozinha para ter o estímulo de vencer a vergonha e ir procurar amigos – por si só.  Estou falando aqui de participar de suas próprias experiências, observar, socializar, construir conhecimento.  Brinquedos que brincam sozinhos ou parques temáticos são interessantes, fazem parte, mas devem ser vistos como acessórios, assim como os jogos eletrônicos.  Os maiorzinhos podem e devem construir seus próprios brinquedos – a diversão está na construção, muito mais do que na brincadeira em si!  


Também é uma gostosa brincadeira participar do que se refere ao bem-estar na casa.  Ajudar a arrumar a casa, guardar e ser responsável por seus brinquedos (e bagunça que inevitavelmente fica quando se acaba a brincadeira), ajudar a preparar seu próprio lanche, observar a transformação dos alimentos, saber de onde vêm, cultivar uma horta, mesmo que seja em um vasinho de plantas e ser responsável por regar, curtindo seu desenvolvimento.    Toda criança adora ajudar a varrer o quintal, por exemplo, ou espremer a laranja do seu próprio suco.  Tudo isso, com muita conversa, se torna de um aprendizado sem igual.  Se o adulto se der o direito de investigar o conhecimento prévio da criança, ouvir suas dúvidas e conclusões, direcionar e desenvolver o poder natural de observação da criança, isso é insubstituível.  Por exemplo, “depois de varrer o quintal, recolhermos com a pazinha e jogarmos o lixo na lata, para onde vai essa sujeira?”   É infinito o universo e a riqueza da relação adulto/criança. No caso da casa, quando o adulto permite que a criança participe, está passando a mensagem de que todos que nela vivem podem e devem colaborar para o bem estar.  É assim (ou deveria ser) na comunidade, seja ela escola, clube, casa – própria ou de amigos, etc. 


Em passeios, em casa, no carro, toda hora é hora, todo lugar é o lugar propício.  Não precisa ser unicamente em parques riquíssimos ou playgrounds com monitores – que geralmente não deixam a criança brincar no sentido literal.  Está tudo organizado, pronto, com começo, meio e fim previamente determinados.  


A mídia faz muito bem o seu trabalho e os menos avisados se envolvem e de fato chegam a se sentir culpados caso não tenham condições de proporcionar tudo que a TV, outdoors, revistas “vendem”.  Esqueçam!  Eles fazem muito bem o seu trabalho e nos levam a pensar que uma criança que não vai ao Hopi-Hari ou Disney nas férias, é como se não tivesse tido férias, assim como se não tiver o último lançamento de vídeo game ou boneca que faz até xixi “de verdade”.


Estamos falando de respeito entre as pessoas, pela natureza, por si próprio, enfim, uma gama infinita de valores que não se aprende em livros, mas especialmente na vida, no contato com o mundo.  Pense nisso na hora de comprar o próximo brinquedo de seu filho.  Pergunte-se se o mesmo estimula a imaginação, propõe desafio, desenvolve a criatividade, proporciona experiência e socialização, diálogo com os pais...  Pense nisso ao planejar as próximas férias escolares!  Professor, pense nisso ao planejar suas aulas!


Excesso de protecionismo cria robozinhos que somente reagem se o botãozinho liga/desliga for acionado.